Valor da caução calculado pelo Estado para recuperação socioambiental é 2 mil vezes menor do que o estimado pela AGU

Decreto de Zema favorece mineradoras em caso de rompimento de barragens

Lama da Samarco destruiu completamente o distrito de Bento Rodrigues. Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

O governo mineiro esticou por mais três meses, o prazo para que as mineradoras que atuam em Minas Gerais apresentem propostas com o valor de caução que garanta a recuperação socioambiental em casos de acidente e de desativação de barragem. O prazo inicial terminou no dia 31/3.

Ele consta no decreto estadual nº 48.747 de 29/12/2023, destinado a regulamentar o artigo 7º (Inciso I, alínea b), um dos principais pontos da chamada Lei Mar de Lama Nunca Mais (nº 23.291/2019), relativo à caução ambiental pelo Estado.

Entretanto, o decreto assinado pelo governador Romeu Zema (Novo) no apagar das luzes de 2023, do jeito que está, em vez de repor perdas, como deveria ser o seu objetivo, poderá impor prejuízos bilionários e irreversíveis ao Estado, à sociedade e ao meio ambiente.

Apesar da importância do artigo da Lei Mar de Lama Nunca Mais para salvaguardar um Estado repleto de barragens potencialmente destrutivas, Zema protelou ao máximo a sua regularização. E ainda assim conseguiu apresentar uma proposta cheia de falhas, segundo apontam ambientalistas.

Falhas

O Instituto Fórum Permanente São Francisco (FPSF) analisou o decreto em detalhes e constatou uma “série de inconsistências, omissões, equívocos e impropriedades”.

Entre outras pontos, ele identificou que o valor de caução, resultante da fórmula de cálculo previsto pelo decreto, chega a ser até 2.006 vezes menor do que o valor estimado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para a recuperação socioambiental, no caso do rompimento da barragem de Fundão (ocorrido em Mariana, em novembro de 2015, no subdistrito de Bento Rodrigues).

Ou seja: enquanto a AGU calcula em R$ 126 bilhões o montante necessário para a recuperação socioambiental no caso de Fundão, o governo de Minas reconhece, via decreto, a necessidade de apenas R$ 62,8 milhões.

Já no caso do rompimento da barragem do Córrego do Feijão (Brumadinho), o resultado indicado pela fórmula do decreto estadual é ainda mais gritante: ele é 2.890 vezes menor do que o valor acordado entre o governo de Minas Gerais e a Vale.

Tal falha na visão do FPSF abre espaço para que as mineradoras apresentem valores muito inferiores aos necessários para enfrentar desastres como os de Mariana e de Brumadinho.

Omissão

O decreto também, por incrível que pareça, não obriga o Estado a aplicar o valor da caução executada na recuperação socioambiental das barragens. E muito menos prevê como o emprego do valor será fiscalizado.

Com isso, para o FPSF, fica evidente que o decreto “não atende um dos principais requisitos – senão o mais importante – do artigo da lei que pretende regulamentar”.

Alerta

O vice-presidente do FPSF, Júlio Grillo, alerta para os riscos que tais falhas e omissões podem acarretar. “Caso o decreto se confirme na prática e ocorram novas rupturas de barragens (como é bem provável) o Estado de Minas Gerais, sua sociedade e o meio ambiente podem vir a sofrer prejuízos de centenas de bilhões de reais”.

“As mineradoras já podem estar apresentando suas propostas, com os valores bem menores que os realmente necessários e, mesmo se o decreto for anulado, talvez possam alegar direito adquirido”, disse.

Segundo ele, é necessário que a sociedade se mobilize para exigir que a caução prevista na Lei Mar de Lama Nunca Mais seja corretamente regulamentada.

Confira as principais falhas identificadas no Decreto nº 48.747/23 (*):

* O valor de caução resultante da fórmula de cálculo do decreto é 2 mil vezes menor que o valor estimado pela AGU para a recuperação socioambiental no caso do rompimento da barragem de Fundão.

* 2.890 vezes menor que o valor do acordo do governo de MG com a Vale para o caso do rompimento da barragem do Córrego do Feijão (Brumadinho).

* A fórmula de cálculo do decreto aplica-se apenas ao fechamento da barragem de rejeitos comuns (de ferro, por ex.), de acordo com a Dissertação de 2010 em que foi estabelecida.

*O fechamento de barragem de rejeitos sulfetados (de ouro, por ex.) pode ser até 9 vezes mais caro, de acordo com a Dissertação, que não prevê valor para rejeitos radioativos e outros tóxicos.

* O decreto não obriga o Estado a empregar o valor da caução executada na recuperação socioambiental das barragens nem prevê como o emprego do valor será fiscalizado.

(*) Segundo o Fórum Permanente São Francisco

(**) Post originalmente publicado em 12/3/24 e atualizado em 3/4/24.

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