Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, Chico Buarque e o sentimento do Ano Novo

Ano Novo em poemas

Obra do mestre da pintura surrealista, Salvador Dali, retrata símbolos relacionados à memória e à passagem do tempo
  1. O Ano Passado (Carlos Drummond de Andrade)

    O ano passado não passou,

    continua incessantemente.

    Em vão marco novos encontros.

    Todos são encontros passados.

    As ruas, sempre do ano passado,

    e as pessoas, também as mesmas,

    com iguais gestos e falas.

    O céu tem exatamente

    sabidos tons de amanhecer,

    de sol pleno, de descambar

    como no repetidíssimo ano passado.

Embora sepultos, os mortos do ano passado

sepultam-se todos os dias.

Escuto os medos, conto as libélulas,

mastigo o pão do ano passado.

E será sempre assim daqui por diante.

Não consigo evacuar

o ano passado.

2. “Poema de Ano-Novo” (Fernando Pessoa)

Ficção de que começa alguma coisa!

Nada começa: tudo continua.

Na fluida e incerta essência misteriosa

Da vida, flui em sombra a água nua.

Curvas do rio escondem só o movimento.

O mesmo rio flui onde se vê.

Começar só começa em pensamento.

“3. Ano Novo” (Ferreira Gullar)

Meia-noite. Fim

de um ano, início

de outro. Olho o céu:

nenhum indício.

Olho o céu:

o abismo vence o

olhar. O mesmo

espantoso silêncio

da Via-Láctea feito

um ectoplasma

sobre a minha cabeça

nada ali indica

que um ano novo começa.

E não começa

nem no céu nem no chão

do planeta:

começa no coração.

Começa como a esperança

de vida melhor

que entre os astros

não se escuta

nem se vê

nem pode haver:

que isso é coisa de homem

esse bicho

estelar

que sonha

(e luta).

4. Ano Novo (Chico Buarque)

O rei chegou e já mandou tocar os sinos
Na cidade inteira
É pra cantar os hinos, hastear bandeiras
Eu que sou menino, muito obediente

Estava indiferente
Logo me comovo
Pra ficar contente
Porque é Ano Novo

Há muito tempo
Que essa minha gente
Vai vivendo a muque
É o mesmo batente

É o mesmo batuque
Já ficou descrente
É sempre o mesmo truque

E que já viu de pé
O mesmo velho ovo
Hoje fica contente
Porque é Ano Novo

A minha nega me pediu um vestido
Novo e colorido
Pra comemorar eu disse:
Finja que não está descalça

Dance alguma valsa
Quero ser seu par
E ao meu amigo
Que não vê mais graça

Todo ano que passa
Só lhe faz chorar
Eu disse:
Homem, tenha seu orgulho
Não faça barulho
O rei não vai gostar

E quem for cego
Veja de repente
Todo o azul da vida
Quem estiver doente

Saia na corrida
Quem tiver presente
Traga o mais vistoso
Quem tiver juízo

Fique bem ditoso
Quem tiver sorriso
Fique lá na frente
Pois vendo valente

E tão leal seu povo
O rei fica contente
Porque é Ano Novo.

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