O ataque virulento deflagrado pelo presidente dos Estados Unidos Donald Trump contra o Brasil, por meio de uma carta desrespeitosa dirigida ao presidente Lula, tem um alvo implícito não mencionado por ele: o Brics.
Pouca coisa tem irritado tanto Trump quanto o bloco comercial de países emergentes, que tem crescido rapidamente e demonstrado força, ganhando adesões de países em todos os continentes.
Trump também não suporta a liderança exercida pelo Brasil, por meio do presidente Lula, junto aos integrantes do bloco.
Não foi por coincidência, portanto, que ele divulgou a sua carta ao final da Cúpula do BRICS realizada no Rio de Janeiro na semana passada.
Logo em seguida, ele ameaçou impor sanções (tarifas de 10%) “muito em breve” para todos integrantes do bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia, bem como aos demais países alinhados (ou que venham se alinhar) politicamente a eles.
Para Trump, o objetivo do BRICS não é outro, senão o de enfraquecer os EUA, começando por substituir o dólar como moeda padrão global.
Ponto sensível
E esse é o ponto mais sensível para o presidente estadunidense. Os EUA não aceitam conviver com a ideia de uma proposta que contemple uma moeda comum entre os países do BRICS para transações comerciais que não seja o dólar.
A ideia da moeda comum substituta ao dólar é capitaneada pela China e foi abraçada Lula e outros aliados dos bloco.
O entendimento dos países é de que é preciso reduzir a dependência do dólar para diminuir suas perdas. E a melhor maneira de fazer isso seria deixar a moeda dos EUA de lado e operar com as dos próprios países do bloco.
Tarifaço
Tudo indica que as tarifas de 50% anunciadas para os produtos brasileiros e a chantagem em torno da situação de réu do ex-presidente Jair Bolsonaro na Justiça brasileira são mesmo para valer.
As taxas estão previstas para serem aplicadas a partir de 1° de agosto próximo e a sentença de Bolsonaro deve ser proferida poucas semanas depois, ainda em agosto ou setembro.
A pressão de Trump não é exclusiva para o Brasil. Ele tem feito o mesmo com diversos outros países, incluindo aliados históricos.
Ela faz parte de sua estratégia política, que visa desestabilizar economias e democracias mundo afora a fim de aumentar os seus próprios poderes e da extrema direita mundial.
Mas, apesar das duas, a princípio, serem para valer, elas foram construídas sobre justificativas mentirosas.
Ao contrário do que Trump afirma, o Brasil não leva vantagem alguma sobre os EUA no comércio de bens entre os dois países, e nem Bolsonaro sofre de qualquer tipo de perseguição política.
O fato é que ambas as teorias não se sustentam. Há superávit comercial? Sim, mas não para o Brasil, uma vez que nos últimos 15 anos a vantagem ficou do lado dos EUA.
Dados do próprio governo estadunidense mostram que o superávit do comércio com o Brasil cresceu 31,9% em 2024, chegando a um saldo positivo para o país de Trump de US$ 7,4 bilhões.
Os números oficiais apurados pelo Brasil vão na mesma direção. Eles apontam que no período dos últimos 15 anos a balança comercial foi invariavelmente favorável aos estadunidenses, tendo somado no período quase meio trilhão dólares.
A tese que procura vitimizar Bolsonaro também é furada.
Como é sabido, o ex-presidente é um dos réus na ação de tentativa de golpe de Estado que corre no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, ao contrário do que Trump afirma, ele não é perseguido político.
A quantidade de provas que incriminam Bolsonaro e os demais co-réus, é farta e o processo movido contra todos eles tem sido conduzido com lisura desde o início, sem nenhum tipo de perseguição, seja por parte da Polícia Federal (PF), da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou do STF.
A ele (Bolsonaro) e aos outros envolvidos na tentativa de golpe, está sendo concedido o direito da ampla defesa, levando-se em conta o devido processo legal, previsto pelo artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.
Uma garantia de que o indivíduo só será privado de sua liberdade ou terá seus direitos restringidos mediante um processo justo, exercido pelo Poder Judiciário, por meio de um juiz natural, assegurados o contraditório e a ampla defesa. E não há dúvida de que tudo está transcorrendo de acordo com o que estabelece a Constituição brasileira.
BRICS
O BRICS é um agrupamento formado por onze países membros: Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.
Serve como foro de articulação político-diplomática de países do Sul Global e de cooperação nas mais diversas áreas.
Os objetivos do BRICS incluem fortalecer a cooperação econômica, política e social entre seus membros, bem como promover um aumento da influência dos países do Sul Global na governança internacional.
O grupo busca melhorar a legitimidade, a equidade na participação e a eficiência das instituições globais, como a ONU, o FMI, o Banco Mundial e a OMC.
Além disso, visa impulsionar o desenvolvimento socioeconômico sustentável e promover a inclusão social.
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Uma resposta
Editorial do Estadão, que não é propriamente jornal comunista:
“ É deplorável
celebrar tarifas
para ganho político
Direita brasileira, que brande a
bandeira do patriotismo, tem o dever
de repudiar a chantagem de Trump
nal, o presidente Luiz Inácio
Em entrevista ao Jornal Nacio-
Lula da Silva demonstrou
sensateznareaçãoàtarifade
50% imposta pelo presiden-
te dos Estados Unidos, Donald T rump,
às importações do Brasil, caso não seja
suspenso o processo judicial contra o
ex-presidente Jair Bolsonaro. Em tom
comedido,Lulaafirmouqueprocurará
negociar com os americanos, chamará
paradiscussãoempresáriosdossetores
afetados, apelará à Organização Mun-
dial do Comércio e, caso nada dê resul-
tado, retaliará. “O Brasil utilizará a Lei
da Reciprocidade quando necessário”,
afirmou. Uma eventual retaliação, que
poderia deflagrar guerra tarifária, deve
mesmoseroúltimorecurso.
Num país polarizado, a chantagem
de Trump suscitou uma batalha políti-
ca que em nada favorece o Brasil. É ho-
ra de o país se mostrar unido na defesa
da democracia, do Judiciário indepen-
dente e da soberania. Agiu bem o Con-
gressoaonãohesitarsobrequeladoes-
colher na contenda. Em meio à queda
de braço com o Planalto em torno do
aumento do IOF, os presidentes da Câ-
mara, Hugo Motta (Republicanos-
PB), e do Senado, Davi Alcolumbre
(União-AP), se disseram “prontos para
agircomequilíbrioefirmeza”.
Vergonhosa foi a celebração nas hos-
tes bolsonaristas. O deputado licencia-
doEduardoBolsonaro(PL-SP)agrade-
ceu a Trump numa rede social. Faz pa-
recer que o filho prefere salvar o pai da
condenaçãoadefenderseupaís.Ainda
que esse tipo de atitude seja esperado,
dada a proximidade entre bolsonaris-
mo e trumpismo, não deixa de ser la-
mentável. Mostra quão distante do
BrasilestáoentornodosBolsonaros.O
chefe do clã pareceu ainda mais alheio
àrealidadeaopedirurgênciaaosPode-
respararesgataranormalidadeinstitu-
cional.Emqueplanetaelevive?
A direita brasileira, que costuma
brandir o patriotismo como bandeira,
tem o dever de repudiar a chantagem
deTrumpededefenderointeressena-
cional, a democracia e a independên-
cia do Judiciário. Foram infelizes as de-
clarações do governador de São Paulo,
Tarcísio de Freitas (Republicanos), em
deferência a Bolsonaro, ainda que de-
poiseletenhaprometido“abrirdiálogo
com as empresas” e mantido encontro
comdiplomatasamericanos.Nãoého-
ra para posições dúbias. O governador
de Goiás, Ronaldo Caiado (União),
CARLOS ALBERTO
SARDENBERG
blogs.oglobo.globo.com/opiniao
sardenberg@cbn.com.br
afirmouqueLulaafrontagratuitamen-
teogovernoamericano—podeserver-
dade, mas foi Trump quem ofendeu o
Brasil.OgovernadordeMinas,Romeu
Zema(Novo),depoisdeapoiarTrump,
tentou amenizar dizendo que “erros e
injustiças não devem ser consertados
commaiserroseinjustiças” .
É verdade que os arroubos autoritá-
rios trumpistas ironicamente podem
dar a Lula —acuado pela queda de po-
pularidade, reflexo de um governo
ruim—achancedesairdascordas,co-
mo já aconteceu noutros países, onde
líderes impopulares se recuperaram
com a ajuda indireta dos ataques de
Trump. O episódio deu a ele um catali-
sadorperfeitoparasuapopularidade:o
inimigoexterno.
Não há dúvida de que a decisão de
Trump se presta a todo tipo de uso po-
lítico. Mas questões concretas não po-
demserignoradas.Atentativadeinter-
ferir no Judiciário brasileiro é absurda.
Senãoforrevertida,atarifade50%ali-
mentará a inflação, prejudicará o cres-
cimento, porá em risco milhares de
empregos e causará estrago em setores
pujantes, como indústria e agronegó-
cio. É interesse de toda a sociedade brasileira.”