A Vale realiza Assembleias Gerais (Ordinária e Extraordinária) nesta quarta-feira (30), para, entre outros assuntos, eleger os membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal da empresa, com um ponto que chamou a atenção das associações das vítimas da mineradora em Mariana e Brumadinho.
Trata-se da proposta de remuneração dos diretores da companhia, incluindo o pagamento de incentivos anuais da ordem de R$ 195,3 milhões.
As associações não se conformam em assistir a empresa propor ganhos milionários para seus executivos, enquanto milhares de vítimas daqueles municípios ainda aguardam por suas indenizações.
Isso no ano em que a tragédia de Mariana completa uma década e a de Brumadinho seis anos, sem que as indenizações tenham sido concluídas para todos.
“A proposta reacende o debate sobre responsabilidade corporativa, pois a mineradora mantém reparações incompletas tanto em Brumadinho, como também em Mariana”, diz o advogado Danilo Chammas, morador de Brumadinho e Diretor-Presidente do Instituto Cordilheiras.
“Reforçar a ‘cultura de dono’ na alta liderança, pagando prêmios extras por sua exposição aos riscos dos negócios da Vale, não é a resposta que esperávamos para os graves problemas de governança que os rompimentos de barragens escancararam”, afirma.
Já a advogada e acionista crítica da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, Victoria Salles, diz que o descumprimento das obrigações reparatórias pela Vale S.A tem sido padrão, além de atrasos em suas execuções”.
No acionismo crítico, atingidos, investidores minoritários e organizações de direitos humanos compram ações para levar propostas e questionamentos às assembleias, pressionando por mais transparência, responsabilização e justiça.
“Há 14 anos, os acionistas críticos da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale recorrem a estratégias de contra-narrativa para votar contra deliberações corporativas que reforçam ou promovem crimes e violações de direitos humanos”, explica Fernanda Martins, secretária-executiva da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.
Acordos descumpridos
Em Mariana, o rompimento da barragem do Fundão em 5 de novembro de 2015 matou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce, afetando 87 municípios ao longo de 600 km de curso d’água.
Desde então foram firmados cinco acordos de reparação, mas quatro deles, segundo as associações das vítimas, foram descumpridos.
O quinto, assinado em 2024 por um total de R$ 170 bilhões, já liberou cerca de R$ 45 bilhões e indenizou 448 mil pessoas, mas as comunidades continuam criticando a burocracia excessiva para acesso aos recursos e a falta de transparência na definição de prioridades.
Seis anos após o desastre de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, que deixou 272 mortos e milhares de desalojados, a Vale afirma ter cumprido 75% das obrigações do Acordo Integral de Reparação e desembolsado R$ 36,9 bilhões em indenizações.
Na prática, apenas 48% das metas de recuperação ambiental e 39% das obrigações de fazer foram concluídas, segundo a própria Vale.
De acordo com os representantes dast associações, enquanto o Programa de Transferência de Renda, pago pela Fundação Getúlio Vargas, para garantir a subsistência das famílias atingidas, teve seu valor reduzido em 50% em fevereiro de 2025 de forma “arbitrária”, contrariando as regras do Edital de Chamamento Público que previa reduções graduais, com sua finalização em janeiro de 2026.
Omissão x Lucro
As associações chamam a atenção para o fato de que, apesar desses legados de omissão, a mineradora fechou 2024 com lucro líquido de cerca de R$ 31,6 bilhões. E, em vez de eliminar todas as barragens em nível máximo de emergência e de concluir integralmente a reparação dos danos mais graves, a empresa propõe generosos incentivos de longo prazo para seus executivos.
Queixas
As associações se queixam também de que parte dos recursos de reparação tem sido desviada para obras de infraestrutura, como trechos de rodovias já apelidadas de “Rodominério”, beneficiando, exclusivamente, a logística operacional da mineradora, em vez de priorizar a reconstrução de moradias e financiar meios de subsistência para as comunidades.
“As vítimas denunciam que não foram ouvidas na definição dos termos dos acordos nem nos projetos de reparação”, reforça Chammas.
Na assembleia desta quarta-feira, a Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale, pretende exigir a participação efetiva das populações impactadas, a divulgação pública dos cronogramas de reparação e a vinculação dos bônus executivos ao cumprimento integral das obrigações socioambientais.
“A assembleia não é apenas o fórum dos acionistas interessados em maximizar seus dividendos, mas um espaço para um debate verdadeiro sobre as grandes decisões tomadas pelos órgãos de gestão da companhia que afetam toda a sociedade”, afirma Danilo Chammas.